terça-feira, 14 de outubro de 2014

Terceirização: solução, problema ou mais confusão?

Penso que quando as primeiras atividades foram terceirizadas nas empresas (início da década de 70 do século XX), ninguém imaginaria que tal processo tomaria tamanhas proporções em nosso país, sendo utilizada em larga escala nas pequenas, médias e grandes empresas e criando muitas discussões entre estudiosos, gestores de recursos humanos e empresas, conflitos entre empregados e empregadores e milhares de reclamações no âmbito da Justiça do Trabalho.

Evidentemente, este é um tema que, ao longo do tempo e em função de sua amplitude e controvérsias, tornou-se objeto de inúmeros livros, estudos, artigos e decisões judiciais e, portanto, não posso ter a pretensão de tratá-lo profundamente e em todas as suas variáveis neste espaço.

Se assim é, me atreverei a trazer somente algumas abordagens e, espero com isso, contribuir apenas com uma “pitada intrometida” de um profissional que já conviveu bastante com o processo e sente que, para ser realmente válido como instrumento de gestão em alto nível, muita coisa precisa ser revista no âmbito das relações em geral e do judiciário trabalhista.

De forma bem didática, no âmbito das organizações, podemos dizer que a terceirização é um processo pelo qual uma empresa contrata outra para desenvolver uma ou mais atividades que, por alguma razão, não lhe interessa executar com seus próprios funcionários. Desse modo, a empresa que terceiriza é a “contratante” e a empresa que executa é a “contratada”.

Entre os defensores da terceirização, as principais vantagens que seriam obtidas com o processo, estariam: concentração do foco na atividade da empresa, a melhoria da qualidade e da produtividade, a desburocratização da estrutura organizacional, melhoria das condições ambientais, redução do número de acidentes do trabalho, redução dos custos fixos, trabalhistas e previdenciários.

De outro lado, os opositores ao processo entendem que a terceirização gera: a criação de uma categoria de empregados de “2ª classe”, redução dos benefícios concedidos aos funcionários das empresas terceirizadas, possível queda da qualidade e produtividade, deterioração social das relações trabalhistas, fragmentação da força da classe trabalhadora, maior dificuldade no controle da produção, qualidade e custos e a dependência da empresa contratante.

Ao analisarmos as opiniões acima, observamos que a realidade mais presente nas organizações nos direcionam para os opositores do processo, mesmo sem destacar uma das mais graves consequências: as contingências decorrentes das reclamações trabalhistas originadas dos empregados das empresas terceirizadas e a questão da responsabilidade solidária e/ou subsidiária das empresas contratantes. 

Particularmente, acredito que a terceirização nasceu com “boas intenções”. Todavia, no final da década de 80 do século XX e a necessidade das empresas se modernizarem e tornarem-se mais competitivas para enfrentar os desafios da globalização, impuseram às mesmas, processos de reengenharia e construção de novos modelos de gestão, os quais incentivaram o fortalecimento e expansão da terceirização com foco obstinado na redução de custos e não no aprimoramento e desenvolvimento das competências para as quais foram criadas.

Portanto, é a partir daí que começaram a nascer os conflitos trabalhistas, pois duas vertentes de atividades foram e continuam a ser consideradas na terceirização: atividade-meio e atividade-fim.

Por “atividade-fim”, entende-se aquela que faz parte do processo específico da produção de um bem ou serviço e que é a razão da existência da empresa. Exemplo: numa fábrica de sorvete, as atividades-fim são todas aquelas necessárias à produção do sorvete. Já a “atividade-meio” é aquela que apóia ou suporta a produção do bem ou serviço. Exemplo: nessa mesma fábrica de sorvete, a atividade de limpeza da fábrica é uma atividade-meio.

É intensa e desgastante a discussão a respeito da possibilidade ou não da terceirização em atividades-fim das empresas e, mesmo no âmbito do judiciário trabalhista, tendo por base a jurisprudência predominante no TST, a maioria é contrária a utilização do processo em atividades-fim.

Sobre o assunto, concordo com o juiz Reginaldo Melhado (titular da 6.ª Vara do Trabalho de Londrina e coordenador da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná) quando afirmou:

“que   a   diferenciação   entre   atividade-meio  e  atividade-fim   para
caracterizar   a   licitude  ou  ilicitude  da terceirização não é aceitável,
porque a evolução e o aperfeiçoamento da administração empresarial
são uma necessidade imposta pelo mercado competitivo,  daí porque
deve  ser  afastada  a  idéia  preconceituosa  de  que  a  terceirização
somente   é    legal  quando  realizada   em   atividades-meio,   sendo
previamente  ilegal  nas  atividades-fim  da  terceirizada,   na  medida 
que   a  complexidade  do   processo  produtivo chega a tal ponto que
muitas  vezes,  é   impossível   diferenciar   as  ações  acessórias das
principais,  e  isto  ocorre  em face da contínua mutação das técnicas
de produção.  (grifo nosso)

Apesar de absolutamente inteligente e coerente tal posicionamento, a questão não se resolve porque a maioria das empresas continua enxergando e utilizando a terceirização como um processo que visa a redução de custos.   

Podemos até concordar que a terceirização na atividade-fim possa estar muito próxima da ilicitude, pois sempre é muito difícil provar a ausência da subordinação direta. Seja como for, é preciso compreender que o conceito de atividade-fim vem tornando-se, cada vez mais, relativizado, principalmente como decorrência do grau de especialização das empresas, o que impõe a investigação (caso a caso) da presença ou não dos requisitos da relação empregatícia.

O outro ponto discordante no âmbito do judiciário trabalhista diz respeito a responsabilidade solidária e subsidiária das empresas tomadoras de serviços, com relação aos empregados contratados por intermédio de empresas terceirizadas. Isso ocorre  principalmente porque embora o artigo 455 da CLT estabelece que “nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro”, a Súmula 331 do TST estabelece, entre outras coisas que:

a) a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, excetuando-se os casos de trabalho temporário, serviços de vigilância e de conservação e limpeza, bem como os serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta; e

b) se as obrigações trabalhistas não forem adimplidas pelo empregador, tal fato implica na responsabilidade subsidiária do tomador de serviços.

De fato, a doutrina e jurisprudência majoritária defende a existência da responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, uma vez que apesar do pagamento das obrigações trabalhistas ser de responsabilidade da empresa terceirizada (é ela que contrata diretamente os empregados), a empresa contratante assume a responsabilidade subsidiária, independente da existência do vínculo empregatício, uma vez que sendo feito o trabalho em benefício do tomador de serviços, compete a ele zelar pelo pleno cumprimento das obrigações trabalhistas do contrato entre as partes. Tal corrente majoritária, parece-nos, baseia-se, por analogia, no artigo 455 da CLT.
De outro lado, os que defendem a responsabilidade solidária assim fundamentam: “A responsabilização do contratante, do dono da obra, do beneficiário direto da mão-de-obra terceirizada, do tomador de serviços, de forma geral, ainda que a lei seja um tanto omissa, é inquestionável, no Direito do Trabalho, pois além de tratar-se de questão social em relação ao trabalhador, que é hipossuficiente e tem sua remuneração como de natureza alimentar, deve-se levar em conta, ainda, a efetividade do exercício jurisdicional, para que decisões na esfera trabalhista não fiquem sem a devida e necessária execução e satisfação diante da competência dos contratados, dos intermediadores, independentemente, até, de tratar-se de atividade-fim ou não, de constituir-se em terceirização legal ou ilegal. O beneficiário da terceirização não pode estar alheio ao prejuízo do trabalhador, sob pena de enriquecer sem causa. (MERCANTE, Carolina Pereira. A responsabilidade subsidiária do Estado pelos encargos trabalhistas decorrentes da contratação de serviços terceirizados . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 566, 24 jan. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6209).

Para finalizar e para que cada um possa formar sua própria opinião, é importante esclarecer o que são “responsabilidades subsidiária e solidária”.

Em relação a responsabilidade subsidiária, embora não exista uma previsão expressa na lei, encontramos na jurisprudência várias aplicações. Os autores renomados do campo do Direito Civil, Rodolfo Pamplona e Pablo Stolze, assim esclarecem a responsabilidade solidária:

                        “Vale lembrar que a expressão “subsidiária” se refere a tudo que
                        vem em “reforço de” ou “em substituição de”, ou seja, não sendo
   possível executar o efetivo devedor   – sujeito   passivo direto   da
                        relação jurídica obrigacional – devem ser executados  os  demais
                        responsáveis pela dívida contraída”. (grifos nossos)

Já a responsabilidade solidária presume que vários agentes possam ser, simultaneamente, responsabilizados, ou seja, mesmo que uma única pessoa tenha cometido o dano, desde que outras concorreram para que o mesmo ocorresse, todas tornam-se, civilmente, responsáveis.

O Juiz do Trabalho e autor de livros na área do Direito Trabalhista, Ari Pedro Lorenzetti se manifesta que a responsabilidade solidária pode ser definida como “a vinculação de vários sujeitos à satisfação de uma obrigação jurídica, permitindo ao credor escolher de qual ou quais deles pretende obter, total ou parcialmente, a prestação a que tem direito”.

E você, caro leitor, o que acha de tudo isso?


Autor: Carlos A. Zaffani - Consultor em Gestão de empresas