sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O questionamento como fonte para uma gestão eficaz

A competição cada vez mais acirrada em quase todos os segmentos e mercados faz com que os executivos em geral alimentem dramaticamente a busca por soluções engenhosas e inovadoras para que suas organizações possam sobreviver e destacar-se num mundo onde   as mesmas tornam-se mais e mais parecidas umas às outras, fazendo com que pequenos detalhes e diferenças propiciem o sucesso para algumas e o fracasso de muitas. Assim, as principais escolas de administração e os mais destacados “gurus” nacionais e internacionais tornam-se fontes que alimentam tais “esperanças” e, nessa linha, novas técnicas, teorias e práticas em gestão vão sendo concebidas, deixando nos profissionais responsáveis, uma profunda sensação de desatualização.

De outro lado, não é raro lermos artigos em revistas especializadas destacando o sucesso (nem sempre de longa duração) de empresas nacionais e internacionais que alcançaram-no com práticas de gestão que enfatizam a simplicidade em suas administrações.  Na prática, o que observamos é que essas empresas têm em comum: foco estratégico, obsessão por  custos baixos, baixa complexidade operacional, poucos níveis hierárquicos, bons níveis de comprometimento e cooperação dos colaboradores, busca constante da simplificação,  incentivo ao empreendedorismo e transparência nas informações.

Diante desse aparente paradoxo, mais uma vez podemos constatar que soluções engenhosas e inovadoras não representam pré-condições para o sucesso das organizações, como também não basta operar com simplicidade para alcançar grandes resultados.

A verdade é que gerir uma empresa continua sendo um maravilhoso desafio onde misturam-se, entre outros, diferentes visões, objetivos, competências,  culturas, conhecimentos, experiências, ambições, percepções, valores e recursos materiais, financeiros e tecnológicos.

Por isso neste tópico, quero abordar uma maneira tradicional muito eficaz, mas pouco ou mal aplicada pelas empresas e que poderá ajudar os gestores a encontrarem rapidamente, respostas mais acertadas para as exigências organizacionais: a técnica do questionamento.


Na infância: o grande aprendizado!

Embora não nos dando conta, provavelmente, todos nós quando crianças construímos a base de nosso conhecimento através dessa técnica ao indagar e questionar nossos pais, irmãos mais velhos, tios, vizinhos e professores, sobre tantas e tantas dúvidas que aguçavam nossas mentes.  Seguramente, muitos irão lembrar-se das inúmeras vezes em que ouviram algum adulto, já sem paciência  após vários “por ques”,  terminarem  conversas de forma evasiva e com o velho chavão: “...fulano vai brincar que agora tenho mais o que fazer!”.


Por que paramos no meio do caminho ?

Pois é! Muito embora tragamos tal experiência de nossa infância, por que no dia-a-dia em nossa vida profissional não adotamos a mesma prática até que estejamos seguros de que todos os “por quês” foram respondidos? Será por que não conseguimos enxergar a verdadeira dimensão do fato, problema ou circunstância em jogo? Ou será que temos vergonha de demonstrar nosso conhecimento limitado, ou mesmo desconhecimento, sobre determinados assuntos?  Ou será ainda por que um “grande” gerente ou executivo não pode demonstrar “fraqueza” diante de seus subordinados?

Particularmente, tenho a impressão de que, com poucas exceções, a maioria dos gestores trata assuntos importantes superficialmente porque sente-se pressionado pelo tempo, por superiores,  pelas metas, pela concorrência e pelos resultados. Quaisquer que sejam as razões,  muitos “por quês” sequer são levantados e questões relevantes ficam sem respostas, fragilizando  a perspectiva de tomadas de decisões acertadas.


Recriando o hábito... 

Para viabilizar a aplicação consistente da técnica, é preciso disciplina e humildade para assumir, em muitas circunstâncias, uma postura de quem sabe pouco (ou nada) do assunto e portanto, é necessário levantar até os mais óbvios “por quês”, mesmo que tal atitude possa, no início, transparecer junto às partes envolvidas, fraqueza ou até ignorância. Tal atitude certamente causará (no grupo de trabalho) surpresa ou espanto durante algum tempo, porém na medida em que decisões, direcionamentos e definições consistentes forem sendo tomadas, conquistar-se-á o respeito e admiração e, a partir daí,  muitos começarão a aplicar a mesma técnica no dia-a-dia, fazendo com que a organização torne-se muito mais eficaz.


Exemplificando : Vamos considerar uma empresa que vem gradualmente perdendo participação de mercado.

Geralmente, o diagnóstico mais comum indica que as empresas perdem participação de mercado em razão da diminuição da competitividade, entre outras causas, por :

    • excesso de capacidade instalada no setor;
    • novos concorrentes com melhores propostas de valor;
    • estrutura de custos elevada;
    • equipamentos antigos e ultrapassados;
    • falta de lançamento de novos produtos;
    • estrutura de vendas mal preparada e desmotivada;
    • má gestão do capital de giro;
    • pessoal desmotivado;
    • incapacidade gerencial. 

Sendo assim, será que as causas reais da perda de participação de mercado são, de fato, identificadas e analisadas? Ou será que prevalece a tendência do “consenso”, através da somatória da percepção dos agentes internos formadores de opinião?  Será que o tempo incorrido desde a constatação dos primeiros sinais de dificuldades até a contextualização efetiva dos fatos foi apropriado?

Essas são apenas algumas das questões que quase sempre não são respondidas.

Entretanto, se, ao primeiro sinal de queda na participação, os responsáveis começassem a questionar por que estavam perdendo mercado e os indícios apontassem para todas as hipóteses retro-mencionadas, iniciar-se-ia a jornada para buscar respostas mais efetivas para muitas questões, tais como:


·        em relação ao excesso de capacidade instalada no setor  -  Por que isso ocorreu no nosso setor ?  Por que as empresas super dimensionaram o mercado / demanda? Novas tecnologias ou soluções mercadológicas contribuíram de alguma forma? Por que? Por que não fomos capazes de antecipar tal ocorrência? Por que não desenvolvemos mecanismos para impedir ou pelo menos atenuar o impacto dessa nova capacidade?


·        em relação aos novos concorrentes com melhores propostas de valor  - Por que não conseguimos nos antecipar à concorrência? Quais os diferenciais de valores percebidos (pelos clientes) nessas propostas? O que precisa ser feito para tornar nossa proposta de valor melhor do que essas? De quanto tempo e recursos (financeiros, materiais e humanos) precisaremos?


·        em relação a estrutura de custos elevada  -  Sabemos exatamente onde nossos custos são mais onerosos? O que fizemos até agora para torná-los mais competitivos? Por que as ações tomadas não surtiram efeito?  Que fatores internos e externos contribuíram para isso?  Quais são as principais diferenças existentes em relação aos concorrentes com custos mais competitivos?  Que medidas devem ser implementadas no curto, médio e longo prazo para ajustar nossa estrutura de custos ?


·        em relação a equipamentos antigos e ultrapassados  -  O que nos impediu a atualização de nosso parque instalado?  Como temos acompanhado a evolução tecnológica em nosso mercado? Por que deixamos de planejar a substituição dos equipamentos? É possível recuperar o “tempo perdido”?  De que forma? Qual o volume de investimento requerido? Não será melhor redirecionar o foco dos investimentos?


·        em relação a falta de lançamento de novos produtos -  Por que deixamos de lançar novos produtos? Quanto tempo, em média, levamos para lançar um novo produto no mercado? Esse tempo é adequado e comparável aos nossos concorrentes? Nossos esforços no desenvolvimento e lançamento de novos produtos é adequado?


·        em relação a estrutura de vendas mal preparada e/ou desmotivada  -  Quais as verdadeiras causas? Falta de recursos? De vontade?  De treinamento?  Os sistemas de remuneração e incentivo são apropriados? Como eles se comparam à concorrência?  Qual a percepção da força de vendas em relação aos nossos produtos e serviços? Quais as reclamações e/ou reivindicações mais comuns dos vendedores / representantes? Elas fazem sentido? Temos dados respostas consistentes à tais reivindicações? Nossas teorias são refletidas nas ações ?


·        em relação a má gestão do capital de giro  -  Há quanto tempo manifestaram-se os primeiros sinais de dificuldades?  As estratégias aplicadas na gestão das contas a receber, inventários e contas a pagar estão apropriadas e adequadas às exigências do mercado? E em relação aos concorrentes?  O que temos feito para melhorar o giro dos inventários? Reduzir os prazos de recebimento? Aumentar os prazos das contas a pagar?  O que tem sido feito para mudar o perfil do endividamento? Como os controles de custos se inter-relacionam com a gestão do capital de giro?


·        em relação ao pessoal desmotivado   -    Há quanto tempo existe a percepção da desmotivação interna?  O que tem sido feito para mudar esse quadro? A desmotivação é geral ou concentrada em algumas áreas? As práticas e políticas internas valorizam as qualidades do ser humano?  Como a desmotivação tem se manifestada? Como estão as relações entre as pessoas? Entre chefias e subordinados?  Há sempre respeito?  E as condições de trabalho oferecidas? São boas? Como se comparam aos concorrentes?


·        em relação a incapacidade gerencial   -   Como os resultados mensais são compartilhados com as chefias / gerentes?  As metas e objetivos são claros, desafiadores e realistas? Existem incentivos de remuneração atrelados a resultados? O que ocorre quando os resultados não são alcançados? Os resultados são analisados criteriosamente e discutidos de forma a se buscar direcionamentos consistentes? Os relatórios gerenciais propiciam análises apropriadas?  Todos conhecem as margens de contribuição das linhas de produtos?  As chefias são incentivadas a buscar constante atualização profissional? De que forma? A empresa contribui?



É evidente que no exemplo acima, as questões levantadas representam apenas algumas das que deveriam ser feitas diante das circunstâncias.  O objetivo deste artigo é deixar uma mensagem para o leitor no sentido de que é preciso questionar sempre, não deixando uma única pergunta sem uma resposta convincente, seja qual for o negócio, mercado, estrutura interna, concorrência, etc.

Quanto mais exercitado, será observado que as perguntas vão tornando-se cada vez mais objetivas e verificando-se que determinadas respostas levam a outras questões e assim sucessivamente, fazendo com que o processo se aperfeiçoe rapidamente, seja disseminado em toda a organização e o encaminhamento de soluções pró ativas e mais apropriadas passem a fazer parte do cotidiano da empresa.  Enfim, a gestão torna-se muito mais objetiva e eficaz.

Quão questionador você tem sido em suas atribuições?

Autor: Carlos Alberto Zaffani  -  Consultor em Gestão de Empresas