Seguramente meu fascínio pela
gestão empresarial começou há quase quarenta anos, já nos primeiros tempos de
minha vida profissional, iniciada numa pequena empresa localizada no
tradicional bairro da Mooca, berço de grande parte das raízes culturais da
cidade de São Paulo.
Ao longo dos anos e tendo a
oportunidade de realizar trabalhos para algumas dezenas de organizações através
de meu vínculo com umas das maiores empresas de auditoria do mundo e de minha
própria consultoria e, adicionalmente, tendo vivenciado quase três décadas de vida executiva em empresas multinacionais, incentivaram-me a estudar
cada vez mais, entre outros, os fatores e mecanismos que conduzem muitas
organizações ao sucesso ou ao fracassso, as técnicas que representam
diferenciais importantes na sustentação de tantos empreendimentos, porque
tantas organizações sucumbem após anos de presença marcante no mercado, o papel
das lideranças e o perfil exigido pelos novos tempos, a construção de valores
nas relações entre empresas, a verdadeira responsabilidade social, etc, etc,
etc.
A verdade é que a gestão
empresarial – como já destaquei em outras oportunidades - continua sendo um
maravilhoso desafio onde misturam-se, entre outros, diferentes visões,
objetivos, competências, culturas,
conhecimentos, experiências, ambições, percepções, valores e recursos
materiais, financeiros e tecnológicos.
Embora seja
desnecessário afirmar que gestão de empresa não é uma ciência, é certo que todo
interessado e estudioso do tema terá dezenas de bons exemplos para sustentar
que uma gestão profissional, eficiente, eficaz e baseada em princípios e
valores, são fatores determinantes para o sucesso de qualquer
empreendimento.
Mesmo concordando
que a gestão realizada por profissionais competentes e bem preparados sejam
condições que podem minimizar os riscos do fracasso, posso, com base em alguns
exemplos que a história deixou registrada, afirmar que nem sempre tais
condições são suficientes para garantir a lucratividade e/ou o sucesso de uma
organização.
Baseado em tal
premissa, apresento a seguir, alguns exemplos marcantes que a história nos deixou e que corroboram tal
afirmação:
- Fatores
externos podem contribuir decisivamente para o sucesso ou fracasso, o
lucro ou prejuízo de uma organização.
Há mais de 15 anos, existia um fabricante de papel que era considerado um dos principais em nosso país.
Era uma empresa bem administrada, com ações negociadas na Bolsa de Valores e
que, em razão dos grandes investimentos realizados na expansão de suas
atividades nos anos anteriores, possuía um nível muito elevado de
endividamento, o qual, tornou-se difícil de gerir, principalmente em razão das
baixas margens geradas por suas operações e também insuficiente geração de
caixa.
Apesar da
administração competente, a empresa sofria as seguintes principais pressões
externas:
a)
O
produto “papel”, em geral, também considerado uma “commodity” (termo
usado em transações comerciais internacionais para designar um tipo de
mercadoria em estado bruto ou com um grau muito pequeno de industrialização), tinha o seu preço balizado pelo mercado
internacional, o qual, naquela época, sinalizava um nível muito abaixo do
esperado e planejado, pressionando fortemente o mercado interno e deteriorando
drasticamente a receita do faturamento;
b)
Não
bastasse as condições desfavoráveis do mercado interno, o governo brasileiro
vinha, desde a implantação do plano real, monitorando a taxa de câmbio como
forma de controlar a inflação e, consequentemente, o volume exportado também
era corroído por uma cotação do dólar irreal.
No início de 1999,
o governo brasileiro resolveu mudar a sistemática do câmbio e saiu do
“semi-fixo” para o flutuante e, como decorrência, o real se desvalorizou
drasticamente ao mesmo tempo em que o mercado internacional de celulose
(matéria prima para a produção do papel) começou a apresentar uma recuperação
acelerada de preço, de forma que em poucos meses, o aumento representou quase o
dobro do praticado no ano anterior.
Sem qualquer
alteração importante em sua gestão, bastaram os dois fatores mencionados no
parágrafo anterior para mudar drasticamente a performance da empresa, tanto em
termos de lucratividade quanto na geração de caixa, de tal forma, que o valor
da ação negociada na Bolsa de Valores apresentou, em um ano, uma valorização
superior a 1000%. O faturamento líquido cresceu quase 40%, o lucro foi de quase
R$ 80 milhões (prejuízo de R$ 50 milhões no ano anterior), o custo da dívida
caiu e graças ao hedge do passivo, a empresa conseguiu manter o endividamento
praticamente inalterado.
Nota:
Em novembro de 2004, os dois maiores fabricantes de papel e celulose do Brasil anunciaram a
compra do controle acionário da mesma por US$ 720 milhões. Nessa oportunidade,
a empresa em referência já era dona de quatro fábricas e representava o 5º maior grupo do setor
papeleiro, com receita anual de R$ 1,2 bilhão de reais. O negócio foi
concretizado no transcorrer de 2005.
- Modelos de gestão arraigados por
culturas construídas ao longo de muitos anos de sucesso podem inebriar
seus gestores e contribuir para uma visão míope ou distorcida sobre o
futuro da organização.
Acredito que todo profissional de
gestão que está no mercado há algumas décadas, tem e/ou teve algum dia a IBM como uma
referência de competência e liderança de uma grande organização.
Para se ter uma idéia, nos anos de 1983 a 1986, de acordo
com pesquisa anual realizada pela revista “Fortune” (na época), a IBM era
considerada a empresa mais admirada do mundo. Mundialmente
conhecida, a IBM estava deitada em “berço esplêndido” como o maior fabricante
de computadores de grande porte do mundo.
No entanto, poucos anos depois,
em 1992, sem a percepção da migração de valor para novas concepções de negócios
e exigências dos clientes, o valor de mercado da IBM caíra mais de 70% em
relação a 1983, ou seja, em apenas nove anos, aproximadamente US$ 70 bilhões se
perderam. Em 1993, em conseqüência da revolução dos
computadores pessoais e de sua estrutura organizacional ineficiente, a IBM
somava prejuízos de US$ 16 bilhões e já tinha demitido mais de 175 mil pessoas.
Nota: Felizmente para
seus acionistas, funcionários e partes relacionadas, a IBM conseguiu dar
“a volta por cima” a partir de 1994 (sob a gestão de Lou Gerstner), com o
fortalecimento da área de serviços, reconstrução da cultura interna e recriação
de uma inovadora liderança na tecnologia de informação, ajudando, inclusive, a
criar uma revolução no campo do e-business.
- Direcionamentos, estratégias e
decisões relevantes, aparentemente acertadas, podem comprometer seriamente
o futuro de uma empresa.
O segundo semestre de 2008 foi marcado por uma das mais
sérias crises internacionais que o capitalismo mundial já enfrentou. Nesse
período, veio à tona, o registro de perdas bilionárias com derivativos de
câmbio em grandes corporações brasileiras. Entre os casos mais notórios em nosso país
destacaram-se a Sadia, VCP e Aracruz.
Resumidamente, por serem empresas com grandes volumes de
exportação, fazia todo sentido a decisão de busca da cobertura de riscos
(hedge) contra a possibilidade da apreciação da taxa de câmbio. Ocorre, que
baseado no comportamento cambial de meses passados (período em que a moeda
nacional manteve-se mais valorizada diante do dólar e com forte alta dos preços
internacionais das commodities), realizaram operações em montantes muito
superiores às exportações, acreditando que o real não se desvalorizaria. Todavia, com o aprofundamento da crise, os
preços das commodities caíram e houve nova tendência da valorização do dólar.
O resultado desse contexto não poderia ter sido pior: as
perdas conjuntas dessas três grandes indústrias brasileiras superaram os R$ 5
bilhões e mudanças relevantes foram implementadas no comando das mesmas.
Nota: No
início de 2009, apesar dos grandes prejuízos, com a ajuda do BNDES, a VCP
comprou o controle da Aracruz e
constituiu a Fibria, tornando-se a maior produtora de celulose de fibra
curta do mundo.
De outro lado, após negociação iniciada em dezembro de
2008, em maio de 2009, foi anunciada a criação da Brasil Foods (BRF), uma
empresa de R$ 25 bilhões de faturamento e - na época - a terceira maior produtora de carnes do
mundo
É óbvio que pela limitação de espaço, muitos outros
exemplos poderiam ser apresentados, mas não é essa minha intenção. Meu
principal desejo é mostrar que o mundo da gestão empresarial apresenta - muitas
vezes - paradoxos que não se explicam ou são difíceis de serem explicados.
Dentro desse contexto, continuo fazendo parte daqueles que
acreditam que os melhores gestores são aqueles que conseguem transformar
conceitos muitas vezes simplistas em modelos vitoriosos e que são sustentados
pelo básico do management: planejamento,
execução, checagem e correção. Sem mágicas, invenções ou pirotecnias! Tudo
isso, jamais será garantia de sucesso pleno, mas, certamente, reduzirá
substancialmente os riscos de uma má gestão.
E você? Concorda?