terça-feira, 22 de abril de 2014

A AIDS no mundo corporativo: uma realidade que continua a desafiar os gestores!

Introdução

O Relatório da Unaids (United Nations Programme on HIV/AIDS) apontava, no final do ano de 2010, a existência  - no mundo - de 33,3 milhões de pessoas infectadas pelo vírus, dos quais 2,6 milhões eram novos casos registrados em 2009 e, somente nesse ano, 1,8 milhões de pessoas morreram da doença.

No Brasil, de acordo com dados obtidos no site www.aids.gov.br, os casos contabilizados desde 1980 até junho  de 2010 totalizavam 592.914 registros e apesar da doença continuar estável (a taxa de incidência oscilava em torno de 20 a cada 100 mil habitantes), somente no ano de 2009, foram notificados 38.538 novos casos, o que convenhamos, apesar dos avanços, evidencia um número muito expressivo, o qual deve servir para conscientizar todo brasileiro responsável de que a luta continua sendo desafiadora.

Como o tema “AIDS” é muito abrangente,  a nossa abordagem neste artigo estará focada sucinta e estritamente no campo corporativo das empresas e em algumas questões fundamentais nas relações do trabalho.

Os profissionais que estão na “estrada” há mais de duas décadas, sabem como foi difícil  (nas empresas) lidar com o assunto e encaminhar soluções sensatas na década de 1980 e primeiros anos da década de 1990, época em que predominava muita informação distorcida da doença e os medicamentos e tratamentos disponíveis apenas prolongavam, por pouco tempo, a vida dos doentes ou portadores do vírus.

Lá se vão três décadas desde a confirmação dos primeiros casos da doença no Brasil, campanhas educativas e de conscientização da população foram desenvolvidas, programas de prevenção em quase todos os lugares implementados, novos medicamentos e tratamentos descobertos e a realidade é que chegou-se até a cogitar a cura da AIDS, porém, percebeu-se que o tratamento combinado (coquetel) não eliminava o vírus do organismo dos pacientes e além dos custos elevadíssimos, os efeitos colaterais eram (e continuam sendo) inúmeros, muito embora, apesar de tantos inconvenientes, o coquetel reduziu de forma significativa a mortalidade dos pacientes com a doença.


A AIDS nas empresas

Apesar de tantos avanços sob a ótica científica, da conscientização da população, da prevenção e dos programas educacionais e governamentais, será que todas as empresas prepararam-se adequadamente para tratar do assunto de maneira ética, digna e humana quando descobrem que algum funcionário é soro-positivo? 

Minha percepção é que, infelizmente, a maioria dos gestores nas empresas brasileiras não está adequadamente preparada, o que acaba culminando em tratamentos discriminatórios, criando para o doente ou portador do vírus, uma sensação ainda maior de dor, sofrimento, angústia e com forte impacto negativo na sua auto-estima e para a organização, perdas decorrentes de processos trabalhistas e reintegrações, além, é óbvio, da criação de um ambiente interno de trabalho com maior grau de desconfiança e instabilidade.

Em grande parte, tudo isso é decorrente, ainda, do acentuado grau de preconceito da sociedade que estigmatiza o doente ou portador do vírus da AIDS e também da falta de preparação dos gestores. Lamentavelmente, até mesmo os serviços médicos de muitas empresas têm dificuldades no direcionamento do assunto e acabam, também, contribuindo para o surgimento de tratamentos discriminatórios. 


A AIDS e as relações do trabalho

A seguir, abordamos alguns aspectos relevantes:

1. A empresa não pode obrigar o empregado a realizar o exame / teste da AIDS, em nenhuma hipótese para admissão em qualquer tipo de emprego ou função, nem durante todo pacto laboral e nem mesmo na hipótese de haver desconfiança que o mesmo esteja doente, sob o risco de caracterizar um “ato discriminatório”. Tal impossibilidade está agora expressamente prevista na Portaria nº 1249/2010 do Ministério do Trabalho e Emprego (M.T.E), a qual, entre outra coisas, estabeleceu que “é vedada a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego ou à sua manutenção”.

Ressalve-se que a citada portaria não proíbe a realização de programas ou campanhas de prevenção da saúde que estimulem os funcionários em geral a conhecerem seus estados sorológicos (por meio de exames), todavia, sem nenhum vínculo da relação trabalhista com a empresa, mantendo assim, a privacidade quanto aos resultados.

Nota: É importante destacar que alguns doutrinadores entendem que essa regra não é absoluta, especialmente nos casos de funcionários soropositivos que trabalham em hospitais e laboratórios na manipulação de amostras de sangue, o que aumenta consideravelmente o risco de contágio. Ainda assim, compactuo com aqueles que entendem que, mesmo nestes casos, é necessária a autorização prévia do funcionário, sob pena da empresa incorrer na violação de sua intimidade.

2. Quando uma empresa descobre que um funcionário é portador do vírus HIV, é absolutamente fundamental que se tomem todos os cuidados possíveis para que não haja nenhuma manifestação de preconceito ou discriminação, assegurando o mesmo tratamento dispensado aos demais colaboradores, procedendo sempre com dignidade, lealdade e boa-fé em todas as circunstâncias da relação trabalhista, mantendo absoluto sigilo sobre a condição de saúde do trabalhador, adequando condições apropriadas no ambiente interno a fim de permitir a continuidade da prestação dos serviços em um local físico e mentalmente saudável e disponibilizando um adequado suporte médico e, dentro do possível, psicológico também.

3. O colaborador portador do vírus ou doente da Aids não tem nenhuma garantia constitucional específica, ou seja, ele tem os mesmos direitos assegurados a todo cidadão residente no nosso país. Outrossim, também não tem qualquer forma de estabilidade empregatícia, exceto na hipótese dessa circunstância estiver prevista na Convenção Coletiva de Trabalho.

Nesse aspecto, destaque-se porém, que a inexistência de uma norma ou regra de alcance geral tem contribuído para que, no âmbito da Justiça Trabalhista, venha prevalecendo decisões amparadas em convenções e recomendações da OIT (Organização Internacional do Trabalho), Declaração Universal dos Direitos Humanos e orientações da Organização Mundial da Saúde, reconhecendo a estabilidade do empregado e determinando sua reintegração (especialmente nos casos em que a doença já está confirmada), desde que não existam reais motivos para a dispensa, tais como: indisciplina, deficiência técnica ou incapacidade econômica da empresa.

4. Qualquer funcionário portador do vírus ou doente de AIDS que sofra uma forma de tratamento discriminatório, tenha seu contrato de trabalho rescindido e ajuíze uma reclamação trabalhista, a predominância nos Tribunais têm sido pela condenação da empresa (pagamento da remuneração durante todo o período do afastamento, além de indenização por dano moral e a reintegração).

5. É preciso ressaltar que no contraponto dos comentários acima, existem decisões em que não comprovaram-se a discriminação e as decisões do Tribunal Superior do Trabalho foram favoráveis às empresas,  tais como: TST, RR 638464, 4ª Turma, julgado em 27/11/2002, DOE SP 19/12/2002; TST, RR 771780, Processo nº, 4ª Turma, julgado em 19/11/2003, DOE SP 12/12/2003; TST, RR - 21881/2002-651-09-00, 2ª Turma, julgado em 20/09/2006, DJ 29/09/2006.


Considerações Finais

Provavelmente, uma das maiores dificuldades para as empresas é quando a condição do colaborador doente ou portador do vírus, de alguma forma, torna-se conhecida pelos demais colegas de trabalho. Se o sigilo sobre a condição de saúde do funcionário é uma das mais importantes regras no gerenciamento da situação, quando ela é violada, cria-se uma situação muito difícil dentro da organização, pois apesar de tantos avanços, ainda existe, infelizmente, uma forma de “segregação” que se traduz num “constrangimento geral” que dificulta a convivência natural e normal entre a maioria das pessoas com as portadoras do vírus e aidéticas, especialmente em nossos dias, quando exalta-se a apologia da saúde e do corpo perfeito.

Por isso, é essencial que as organizações interessem-se pelo tema, informem e eduquem seus colaboradores no sentido de que a AIDS é uma questão de saúde pública e que aqueles que contraem o vírus, são pessoas que podem levar uma vida mais próxima da normal possível e com boa qualidade, pois a doença não se transmite pelo convívio ou contato social e que o mesmo pode continuar trabalhando sem qualquer discriminação.

Convido todo profissional que ainda tenha algum tipo de prevenção na convivência com doentes e portadores do vírus para que revejam seus conceitos e façam um esforço no sentido de acolher, tratar e considerar esse semelhante não como um SER diferente, mas sim como um SER HUMANO normal que enfrenta uma doença ainda incurável.

Ao ter essa atitude, esteja certo de que, além de ajudar a manter um bom ambiente de trabalho, estará levando uma contribuição inestimável para a vida e a recuperação da auto-estima desse semelhante.

Podemos contar com você?


Autor: Carlos A. Zaffani - Consultor em Gestão de Empresas