segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Assédio moral no trabalho: uma violência contra o ser humano!

Nota: Este artigo foi escrito há alguns anos, mas entendo que seu conteúdo continua atual e merece sua leitura e reflexão!

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 I.                   Introdução


Quase todas as pessoas que trabalham há mais de vinte anos, no passado, provavelmente já vivenciaram e/ou, no mínimo, presenciaram algum fato caracterizador do assédio moral e, no entanto e pelas mais variadas razões, mantiveram-se em silêncio ou apenas comentaram veladamente nos seus círculos de relacionamentos mais próximos (dentro ou fora das organizações).

Até poucos anos, muitas circunstâncias caracterizadoras do assédio moral eram quase sempre consideradas (às vezes até mesmo pelos assediados) como “normais” dentro de um ambiente de trabalho, entendendo-as como gozações, “broncas” de chefes, respeito distorcido aos superiores (do tipo “manda quem pode e obedece quem tem juízo”), divergências e/ou diferenças de posicionamento e preferências pessoais ou profissionais. Até então, convivia-se com o assédio e mesmo aqueles que o consideravam como forma de ofensa, menosprezo, constrangimento ou humilhação, continuavam desenvolvendo suas atribuições e responsabilidades e, quando muito, comentavam ou desabafavam com familiares, amigos  e/ou pessoas de sua confiança.

A realidade é que o assunto começou a ser identificado como uma forma de violência moral no trabalho somente na década dos anos de 1980 através de pesquisas realizadas nas áreas da psicologia e psiquiatria por Heinz Leymann, tornando-se objeto de estudos iniciais na Suécia e posteriormente na Alemanha.  Em meados da década seguinte, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) chamava a atenção para o problema em diferentes países e mais recentemente, também o Fundo Europeu para Melhoria das Condições de Trabalho e de Vida (Fundo Dublin 2000) reconheceu o assédio moral como um problema internacional.

No Brasil, somente no início da primeira década deste século é que o assunto começou a ganhar força, após a divulgação da pesquisa brasileira realizada como tema de dissertação de mestrado (Uma jornada de humilhações) em Psicologia Social – PUC/SP - Maio/2000, pela Dra. Margarida Barreto. Portanto, muitas das informações constantes deste artigo foram obtidas, e fazemos questão de destacar, no site www.assediomoral.org.br/, o qual foi criado e é mantido por vários profissionais (de diferentes áreas de atuação) preocupados com o problema e engajados na luta contra o fim do assédio moral no trabalho.

 

II.                Assédio moral: o que é? E os impactos sobre o ambiente de trabalho?

De maneira bem simples, podemos definir o assédio moral como sendo aqueles comportamentos abusivos e humilhantes, expressos através de gestos, palavras e atitudes que possam prejudicar a integridade física ou psíquica de uma pessoa, desde que ocorram repetitivamente, os quais, também, acabam contribuindo decisivamente para a deterioração do ambiente interno de trabalho.

 È importante notar que uma ocorrência isolada não caracteriza o assédio moral. Assim, somente situações repetidas e frequentes de comportamentos abusivos e humilhantes caracterizam o assédio moral. Concordamos com aqueles que entendem que um incidente isolado também pode ser caracterizado como um tipo de violência no trabalho, passível, inclusive, de reparação por dano moral, porém não é considerado uma forma de assédio. 

De outro lado, muito embora seja mais comum a ocorrência do assédio de superiores hierárquicos contra seus subordinados (conforme veremos mais à frente), o mesmo também pode ocorrer entre colegas do mesmo nível (ex: colocam em xeque a masculinidade de alguém) e até mesmo entre grupos de funcionários em relação a determinado chefe (ex: espalham boatos negativos sobre o comportamento da esposa do mesmo).

Ambientes de trabalho onde são observados comportamentos de assédio moral são caracterizados, entre outros:

·         pela deterioração nas relações humanas;

·         desrespeito aos princípios básicos da boa convivência;

·         queda na qualidade e na produtividade;

·         maior probabilidade de perda de confiança no comando da organização;

·         falta de comprometimento;

·         aumento do absenteísmo, doenças e acidentes do trabalho;

·         maior rotatividade da mão-de-obra;

·         aumento do número de reclamações trabalhistas;

·         baixos níveis de motivação, criatividade e iniciativa;

·         trabalhadores com baixa “auto-estima”;

·         predominância de atitudes individualistas (falta de espírito de equipe);

·         maior tensão, irritabilidade e agressividade dos trabalhadores.


III.             O que pode caracterizar o assédio moral?

Embora não contemple todas as hipóteses e sempre lembrando que a caracterização do assédio moral depende das reincidências ou frequências com que os fatos ocorrem, segue abaixo, uma série de comportamentos e atitudes que podem ser considerados como tal:
 
  • Ameaçar o empregado constantemente de demissão;
  • Dispensar tratamento preconceituoso contra trabalhadores doentes ou acidentados;
  • Constranger e/ou humilhar publicamente o funcionário;
  • Autoritarismo e intolerância de gerências e chefias;
  • Imposição (repetidas vezes) de jornadas extras de trabalho;
  • Espionar e vigiar os trabalhadores;
  • Desmoralizar e/ou menosprezar os funcionários;
  • Assédio sexual;
  • Isolamento e segregação de trabalhadores por parte de gerências e chefias;
  • Desvio frequente de função;
  • Insultos e grosserias de superiores;
  • Calúnias e inverdades dissimuladas no ambiente de trabalho por chefias;
  • Negação por parte da empresa de laudos médicos ou comunicações de acidentes;
  • Discriminação salarial segundo sexo, etnia ou religião;
  • Ameaças a trabalhadores sindicalizados;
  • Punição aos trabalhadores que recorrem à Justiça;

IV.             O assédio moral e o dano moral

Para muitos interessados no tema, assédio e dano moral são a mesma “coisa”. Todavia, de acordo com o Dr. Robson Zanetti, advogado (Doctorat Droit Privé Université Panthéon-Sorbonne), em artigo no site www.administradores.com.br esclarece que  ao serem analisadas as condenações na Justiça do Trabalho...chega-se a conclusão que não existe um posicionamento claro sobre o assunto”.

Como sempre procuro fazer, não entrarei no mérito de uma discussão jurídica, até porque não é este o objetivo desta abordagem, porém compactuo com aqueles que entendem que assédio moral e dano moral são “coisas” diferentes.

Resumidamente, consegui identificar algumas características específicas de cada um:

            Assédio Moral                                               Dano Moral

 
* Sua caracterização nasceu como uma         * Nasceu como tese jurídica
   tese médica (no campo da psiquiatria)      

* Conduta abusiva, repetitiva e prolongada * Pode ocorrer em decorrência de um fato

* Prejuízo precisa ser provado (ex: doença)  * Prejuízo pode ser baseado na presunção

* Não impõe levar ao conhecimento de        * Em matéria de prova, entende-se ser
   terceiros (como prova)                                   necessário levar ao conhecimento de 3ºs

* Causa de dor e sofrimento comprovados   * Pode não causar dor e/ou sofrimento

Em conclusão a este tópico, parece-me que as características próprias acima destacadas de cada instituto são suficientes para demonstrar tratarem-se de “coisas” diferentes. Assim,  o enquadramento como assédio moral ou dano moral depende, essencialmente, da verificação e análise detalhada dos fatos, de acordo com as provas e informações apresentadas pela pessoa lesada.

V.        O que as empresas podem fazer preventivamente
Vivemos num mundo capitalista, onde a competitividade é incentivada em todos os níveis e contextos dentro das organizações e, infelizmente com isso, contribuindo para ações, atitudes e comportamentos – especialmente por parte dos superiores hierárquicos - que agridem e degradam as relações humanas.
O assédio moral é um ato de violência ao ser humano e deve ser coibido de todas as formas, pois muitas vezes finge-se não vê-lo ou tolera-se determinados comportamentos que o encorajam. Por isso, todas as empresas sérias e responsáveis, independentemente do porte, devem estar atentas ao problema e, como prevenção, podem:
·         Conscientizar seus colaboradores sobre o que é o assédio moral;
·         Criar programas de prevenção;
·         Desenvolver formas mais estruturadas de organização do trabalho e rever seus métodos de gestão das pessoas;
·         Dispor de canais de comunicação mais abertos e incentivando políticas de qualidade de vida;
·         Treinar e preparar pessoal de comando dentro de práticas de gestão que incentivem a educação, confiança, cooperação e respeito humano, de forma que sejam exemplos para todos os colaboradores;
·         Não admitir, em hipótese alguma, atitudes e comportamentos de desrespeito ao ser humano;
V.                Considerações Finais
O assédio moral deve ser repudiado, pois além dos males que representa para as organizações, repercute também na sociedade, atingindo questões familiares, separações conjugais, uso de drogas e alcoolismo, entre outros e invade o campo da saúde pública com o aumento de doentes físicos e mentais.
Todos são responsáveis: patrões, dirigentes, executivos, gerentes, supervisores, chefes ou simples funcionários. Cada um dentro de seu campo de atuação não pode se eximir e se calar.
Eu estou fazendo a minha parte e você?
Autor: Carlos Zaffani   -   Consultor em gestão de empresas

quarta-feira, 23 de março de 2022

A GESTÃO DAS EMPRESAS ESTÁ EM XEQUE!

Redigi este artigo há muito tempo e, ao revê-lo após termos vivido dois anos de pandemia da covid 19 e no meio da turbulência e incertezas em relação as consequências da guerra na Ucrânia, percebo que (em sua essência) continua absolutamente atual diante do momento vivido pelas empresas em nosso país, bem como sob a ótica global.

Para sua análise e reflexão!

Boa leitura!
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Iniciei minha vida profissional, ainda garoto, na segunda metade da década dos anos 1960. Era uma época em que o Brasil, há poucos anos, havia criado uma lei que obrigava a realização da correção monetária do ativo imobilizado anualmente e criava o FGTS (fundo de garantia por tempo de serviço), acabando com a lei da estabilidade para os empregados com mais de dez anos na empresa.

Politicamente, também foi uma época em que o nosso país, com a tomada do poder pelos militares (revolução de 1964), entre tantas coisas negativas, sofreu muita opressão e repressão, prolongada estagnação econômica (principalmente nos anos 80) e crescimento da concentração de renda alimentada pela inflação.

Foi também, poucos anos depois, editada a Lei nº 6404/76, a famosa lei das S/A  (sociedade por ações), a qual representou um grande avanço para investidores, criou mecanismos de controle mais adequados, mas também impôs regras mais exigentes para os gestores da época na prestação de contas e apresentação das demonstrações contábeis e financeiras.

Alguns meses depois criaram-se os primeiros mecanismos de proteção contra a inflação e, entre eles, a sistemática de correção monetária das demonstrações financeiras para as empresas, a qual viria a ser aperfeiçoada em 1977 com o Decreto-Lei nº 1598, através do mecanismo de correção das contas do Ativo Permanente (Imobilizado, Investimentos e Diferido) e do Patrimônio Líquido, cujo resultado era refletido na demonstração do resultado do exercício. Essa sistemática vigorou por muitos anos e embora sendo um alimentador do processo inflacionário, permitiu que muitas empresas brasileiras pudessem crescer e se tornarem “players” com presença internacional.

Enquanto vivenciávamos a nossa realidade tupiniquim, os Estados Unidos expandiu seu poderio econômico de tal forma, que chegou a representar quase um terço do PIB mundial, a presença do capitalismo tornou-se mais marcante mundo afora, o símbolo do regime comunista (muro de Berlim) foi derrubado com as duas Alemanha (Ocidental e Oriental) tornando-se novamente um único país e, entre tantos outros acontecimentos relevantes, também presenciamos a queda de vários governos totalitários, comunistas e socialistas de muitas nações.   

Foram anos importantes na construção da carreira de muitos gestores, os quais ainda continuam na linha de frente de tantas organizações de sucesso. Ao longo das últimas quatro décadas, foi possível acompanhar períodos de estagnação, incertezas, prosperidade, hiperinflação, aquecimento e desaquecimento da economia de tantos países, guerras, conflitos, dissidências, etc.

Essa introdução se faz necessária para ressaltar o momento atual no mundo empresarial, pois apesar de tantos acontecimentos expressivos e importantes, a história recente da humanidade não vivia um período de tamanha incerteza sobre o futuro das organizações e do próprio capitalismo. Empresas consideradas exemplos de gestão sucumbiram, faliram ou estão prestes a desaparecer. No final da década passada, em poucos meses, milhares de empresas espalhadas pelo mundo perderam valor patrimonial equivalente a parte substancial do PIB mundial, significando muitos trilhões de dólares que simplesmente “evaporaram” das mãos de seus investidores.

É aí que vem a questão: até onde faltou competência e capacidade de previsão para os gestores das organizações? Se sabemos que os principais executivos de muitas dessas empresas que foram a bancarrota ou perderam valor substancial eram profissionais de reconhecida capacidade, formados pelas principais universidades do mundo, especializados, pró-graduados, MBA´s, mestrados, doutorados e Phd  pagos a peso de ouro, por que tudo isso não foi suficiente para salvar tantas grandes organizações?

A resposta não é fácil (se é que podemos encontrar uma efetiva) e vai muito além de qualquer tentativa simplista de buscá-la, especialmente se considerarmos o pequeno espaço destinado para este artigo. Então, a realidade nos conduz para uma conclusão: a gestão das empresas está em xeque!

Diante desse quadro de incertezas em relação ao futuro e de questionamentos sobre os modelos e estilos de gestão das organizações, o que é possível fazer?

Mais uma vez não temos uma resposta objetiva, mas podemos tentar construir uma proposta sensata para conviver nesse “turbilhão de emoções” e começar a visualizar a perspectiva do surgimento de novos modelos e estilos de gestão que privilegiem integralmente o ser humano, muito acima dos lucros a qualquer custo e dos ganhos astronômicos  e absurdos atribuídos a executivos descompromissados com a construção de um mundo melhor e menos desigual.

Uma projeção para o futuro da gestão empresarial

1. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que as escolas de base precisam educar e preparar os alunos para uma vida em sociedade, onde, apesar das diferenças de raça, cor, credo religioso e objetivos pessoais, cada pessoa tenha a plena consciência de que sua auto-realização e felicidade dependerá  da realização e felicidade do outro.

2. Em segundo lugar, é essencial que as escolas de formação passem a ter como missão, a educação e preparação de profissionais para:

·         enfrentar o desconhecido e as incertezas dos novos tempos;

·      através do autoconhecimento, desenvolver potencialidades que alimentem a capacidade de decisão baseadas na força mental e na intuição;

·        habituar-se a familiarizar-se com novas tecnologias em curto espaço de tempo;

·   desenvolver habilidades de transformação e adaptação a novas situações e contextos desconhecidos;

·       desenvolver atitudes e posturas diferenciadas e positivas em momentos de tensão e incertezas; e

·    criar mecanismos apropriados para formulação de estratégias não usuais para lidar com situações complexas. 

3. Será preciso criar um novo modelo de empresa, que requeira recursos financeiros, instalações, máquinas, materiais, processos e pessoas, mas que tudo isso seja compreendido como parte de um ecossistema abrangente em que a concorrência e as forças competitivas simplesmente alimentem a criação de novas oportunidades para o desenvolvimento e crescimento do ser humano. Esse novo modelo de empresa precisará estar integrado a um conjunto de regras de engajamento no qual o objetivo maior será sempre o da criação de valores sustentáveis para a o futuro da humanidade.

4. A ética empresarial não será meta, mas sim premissa. Os gestores do futuro não deverão preocupar-se com regras que estabeleçam o que é ou não ético, pois todas as negociações, operações e transações serão absolutamente transparentes, respeitando porém, as questões culturais e os direitos humanos.

5. Como as economias dos países continuarão a sofrer interferências diversas e, como consequência, apresentar diferentes comportamentos e resultados micro e macro econômicos, far-se-á necessário criar mecanismos regulatórios e de controles mais consistentes e que privilegiem o fortalecimento do comércio internacional e o respeito às leis de cada país.

6. Projetando que as empresas possam fazer parte de um ecossistema, é possível imaginar como seriam geridos alguns dos elementos que compõem a gestão das organizações:

·         Gestão do Marketing

Construção de relações duradouras baseadas na confiança e cooperação, através de alianças e parcerias permeadas por toda a organização.

·         Gestão operacional

Os instrumentos da eficácia operacional seriam construídos, muito menos através dos indicadores de performance e desempenho tradicionais e muito mais no grau de satisfação e realização das pessoas, já que elas teriam o conhecimento do exato equilíbrio entre a geração do lucro merecido e a contra-partida da alegria de fazer parte de uma equipe organizacional vencedora.

·         Gestão da Inovação e da tecnologia

Sendo parte relevante da estratégia, a gestão da inovação e da tecnologia seria conduzida de forma a integrar cada processo evolutivo dentro do ecossistema do qual a empresa faria parte e mantendo, na criação de valor, a premissa sob a qual nortearia seu papel.

·         Gestão Financeira e contábil

É óbvio que a contabilidade continuaria sendo gerada no método de partidas dobradas, tendo porém na contabilidade gerencial o aperfeiçoamento para geração das informações essenciais à boa gestão. Já, o ganho financeiro fácil não mais deveria fazer parte de qualquer atividade empresarial e a gestão das finanças voltaria às suas origens, extinguindo-se as operações complexas que incentivam o surgimento do “cassino financeiro” e do ganho fácil.

·         Gestão das pessoas

Nesse campo, relembro a visão de Clemente Nóbrega em seu livro “Em busca da empresa quântica”. Em outras palavras, as empresas seriam pessoas em processo! Seriam duas entidades que se confundiriam em si mesmas. A nova lógica na gestão de pessoas teria como premissa a participação de todos, onde cada um jamais sentir-se-ia um passivo. Cada um saberia perfeitamente seu papel dentro do contexto estabelecido e todos estariam essencialmente engajados na busca do objetivo comum. Como disse Nóbrega: “Uma empresa inteligente. Uma empresa em que todos queiram a mesma coisa, sem imposição, sem controle, sem medo e sem que ninguém tenha de comandar.”

Para finalizar, gostaria de enfatizar que, provavelmente, o essencial da gestão nas empresas não mais estará presente dentro da lógica que aprendemos e que fomos educados dentro das universidades e das próprias organizações.

Talvez tudo isso faça sentido se o ser humano tiver a conscientização plena de que sua passagem pela terra só terá significado quando buscar, decididamente, a felicidade do outro. Esse é o segredo! Como já escrevi em outras ocasiões: “tão simples, mas ao mesmo tempo, tão complexo e difícil para nós, pobres mortais!”

Autor: Carlos A. Zaffani – Consultor em  Gestão de Empresas

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

EBITDA - VIRTUDES E DEFEITOS

NOTA: Escrevi este artigo há mais de dez anos e entendo que continua sendo atual por sua abordagem relativamente simples para qualquer leitor que tenha algum pequeno conhecimento sobre contabilidade e finanças. Por tal razão, faço questão de republicá-lo mais uma vez! Boa leitura!

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Há anos, um indicador financeiro passou a ser amplamente utilizado pelas empresas de capital aberto e pelos analistas de mercado como a principal e, às vezes, única avaliação de desempenho e/ou do valor das companhias: o EBITDA.  Além disso, o final da década do século passado e início do novo milênio foi marcado por inúmeras negociações de empresas que também tiveram como único parâmetro o EBITDA.


De outro lado, como ocorre frequentemente, o “modismo” disseminou-se rapidamente e muitas empresas, dos mais variados portes e segmentos em nosso país também passaram a considerar o EBITDA como uma importante ferramenta de avaliação de performance operacional. Mas, afinal de contas, o que é o EBITDA? Ele  é ou não uma boa ferramenta de avaliação? O EBITDA mede, realmente, o fluxo de caixa? Por que tantas empresas com ações negociadas nas bolsas de valores fazem questão de apresentar o resultado do EBITDA?

Essas e outras questões continuam sendo objeto de acaloradas discussões nos meios acadêmicos e financeiros e ao trazer este tema, não tenho a pretensão de ser o juiz da questão nem esgotar o assunto, mas apenas apresentá-lo para aqueles que não o conhecem, aprofundar a reflexão para aqueles que já o conhecem razoavelmente e trazer à tona, uma série de pontos que podem estar sendo desapercebidos por empresas que o adotaram sem ressalvas.

O que é o EBITDA ?

EBITDA - Earning Before Interests, Taxes, Depreciation and Amortization - em português significa “Lucro Antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Amortização”, também conhecido como LAJIDA. Muito embora, o EBITDA também seja considerado ou apresentado como “Fluxo de Caixa Operacional (Operational Cash Flow)” o mesmo leva em conta apenas o desempenho operacional da empresa e não reflete o impacto no resultado, dos itens extraordinários, das despesas com investimentos e das mudanças havidas no capital de giro.


Uma pouco de história...

O EBITDA tornou-se conhecido e ganhou notoriedade no mercado norte americano na década de 70 do século passado. Nessa época, o EBITDA era utilizado pelos analistas como uma medida temporária para avaliar o tempo que seria necessário para que uma empresa, com grande volume de investimento em infraestrutura, viesse a prosperar sob uma perspectiva de longo prazo. Ao excluir os juros dos recursos financiados e somando-se a depreciação dos ativos, os investidores conseguiam projetar uma medida de performance futura da empresa, considerando apenas a atividade operacional.

Ocorre, porém, que com o passar dos anos, o EBITDA foi se tornando cada vez mais popular, chegando a ser comparado, por muitos, como uma aproximação do Fluxo de Caixa e passou a funcionar como um “amortecedor” (quando mal utilizado) em relação ao julgamento do mercado quanto ao efetivo “lucro líquido” da empresa.


Como o EBITDA é apurado ?

O cálculo do EBITDA é muito simples: ao Lucro Operacional Líquido antes dos impostos adicionam-se os juros, depreciação e amortização.

EXEMPLO:  Demonstração do Resultado do Exercício findo em 31/12/200X ($000)


·        Receita Líquida de Vendas...................................  10.000
                                
·        (-) Custo dos Produtos Vendidos .......................      4.800 

·        Lucro Bruto .......................................................      5.200

·        (-) Despesas Operacionais
Vendas.........................................     1.500
Administrativas e Gerais............         550
Financeiras (Juros).....................         250             2.300

·        Lucro Operacional ..............................................     2.900


                                                                                        
DETERMINAÇÃO   DO     E B I T D A

·        Lucro Operacional..........................    2.900

·        (+) Depreciação / Amortização
            inclusa no CPV e Despesas
            Operacionais..........................             180     

       (+) Juros .......................................           250
                                                                    ______

·        EBITDA...............................       3.330
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Argumentos dos defensores do EBITDA:

Os defensores da aplicação do EBITDA sustentam, entre outros, os seguintes argumentos:

  • Pode ser utilizado na análise da lucratividade entre as empresas;

  • Por eliminar os efeitos dos financiamentos e decisões contábeis, sua utilização pode fornecer uma comparação relativamente boa para o analista pois mede a produtividade e a eficiência do negócio;

  • O EBITDA como percentual de vendas pode ser utilizado para identificar empresas que sejam as mais eficientes operadoras dentro de um determinado segmento de mercado;

  • O EBITDA pode ser utilizado para comparar a tendência de lucratividade nas indústrias pesadas (ex: siderurgia e automobilística) até as de alta tecnologia porque remove da análise, o impacto dos financiamentos de grandes inversões de capital;

  • A variação percentual do EBITDA de um ano em relação a outro mostra aos investidores se uma empresa conseguiu ser mais eficiente ou aumentar sua produtividade;

  • O EBITDA é uma excelente ferramenta de medição para organizações que apresentem uma utilização intensiva dos equipamentos (mínimo de vinte anos).


Críticas à utilização exclusiva do EBITDA:

Embora reconhecendo a validade relativa da utilização do EBITDA, os críticos apresentam os seguintes argumentos:

  • É comum empresas contratarem financiamentos e empréstimos para alavancar suas operações. Assim, é normal tais empresas apresentarem despesas financeiras superiores às receitas financeiras. Outrossim, como também é comum as empresas apresentarem Imposto de Renda e Contribuições sobre seus lucros operacionais, é fácil presumir-se que o EBITDA seja superior ao lucro líquido, sendo que, em muitos casos, o EBITDA é positivo, muito embora a linha final da demonstração de resultados apresente prejuízo líquido;

  • O EBITDA não considera as mudanças no capital de giro e, portanto, sobrevaloriza o fluxo de caixa em períodos de crescimento do capital de giro;

  • O EBITDA pode dar uma falsa ideia sobre a efetiva liquidez da empresa;

  • O EBITDA não considera o montante de reinvestimento requerido, especialmente nas empresas que apresentam ativos operacionais de vida curta (três a cinco anos);

  • O EBITDA nada evidencia sobre a qualidade dos lucros;

  • Ele ignora as distinções existentes na qualidade dos fluxos de caixa originados de diferentes práticas contábeis (nem todas as receitas geram caixa!);

  • O EBITDA ignora atributos específicos na análise de determinadas empresas  / negócios;

  • Companhias da chamada (na época) “nova economia” têm tentado convencer os investidores de que devem ser avaliadas, exclusivamente, com base no EBITDA, desconsiderando-se até a hipótese de prejuízo e com isso, têm conseguido “ludibriar” investidores leigos ou mal informados;

  • A aparente hipótese de estar livre de manipulações caiu por terra com o escândalo da Worldcom, quando esta reconheceu US$ 7 bilhões de despesas operacionais como investimentos de capital, o que provocou profunda distorção no lucro e consequente aumento do EBITDA;

  • Por ser de fácil apuração o EBITDA é frequentemente utilizado como a mais importante medida de performance do resultado de muitas empresas. Entretanto, seu resultado pode dar uma falsa ideia do verdadeiro potencial de investimento de uma companhia, justamente por não refletir adequadamente, a verdadeira habilidade na geração de caixa para continuidade das operações.


Tendências para o futuro sobre a validade da utilização do EBITDA

Aparentemente e principalmente após os escândalos contábeis de grandes corporações norte-americanas, aumentou a preocupação com o EBITDA. Especialmente nos Estados Unidos, muitas companhias que davam excessiva ênfase ao EBITDA em suas comunicações sobre os resultados voltaram a focar muito mais no “lucro por ação” e dando mais atenção à outros indicadores.

Muito embora a ênfase possa vir a ser menor, parece que o EBITDA continuará sendo muito utilizado porque é um bom indicador para a avaliação da tendência dos lucros da atividade principal de uma empresa. Adicionalmente, parece que gradualmente, houve uma compreensão melhor de que, por existir diferenças significativas entre os dois, o EBITDA não é ideal em substituição ao Fluxo de Caixa Operacional e, assim, este continua sendo a melhor forma de saber o quanto o “Caixa” de uma empresa está produzindo.

No Brasil, tenho a impressão de que ainda levará mais algum tempo e o EBITDA continuará sendo muito utilizado pelo mercado, principalmente na avaliação de empresas. Além disso, o mercado deverá continuar valorizando mais a variação percentual de crescimento ou queda do indicador em relação ao período anterior do que o valor isolado do EBITDA.

Em síntese, parece-me que o EBITDA continuará sendo um indicador relevante e importante, porém com uma melhor compreensão de suas limitações e, portanto, outros indicadores tradicionais também continuarão presentes nas análises e avaliações de investimentos e performances de muitas organizações.

E você, caro leitor, sabe qual é o EBITDA de sua empresa ?

Autor: Carlos A. Zaffani  -  Consultor em Gestão de Empresas