quarta-feira, 23 de março de 2022

A GESTÃO DAS EMPRESAS ESTÁ EM XEQUE!

Redigi este artigo há muito tempo e, ao revê-lo após termos vivido dois anos de pandemia da covid 19 e no meio da turbulência e incertezas em relação as consequências da guerra na Ucrânia, percebo que (em sua essência) continua absolutamente atual diante do momento vivido pelas empresas em nosso país, bem como sob a ótica global.

Para sua análise e reflexão!

Boa leitura!
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Iniciei minha vida profissional, ainda garoto, na segunda metade da década dos anos 1960. Era uma época em que o Brasil, há poucos anos, havia criado uma lei que obrigava a realização da correção monetária do ativo imobilizado anualmente e criava o FGTS (fundo de garantia por tempo de serviço), acabando com a lei da estabilidade para os empregados com mais de dez anos na empresa.

Politicamente, também foi uma época em que o nosso país, com a tomada do poder pelos militares (revolução de 1964), entre tantas coisas negativas, sofreu muita opressão e repressão, prolongada estagnação econômica (principalmente nos anos 80) e crescimento da concentração de renda alimentada pela inflação.

Foi também, poucos anos depois, editada a Lei nº 6404/76, a famosa lei das S/A  (sociedade por ações), a qual representou um grande avanço para investidores, criou mecanismos de controle mais adequados, mas também impôs regras mais exigentes para os gestores da época na prestação de contas e apresentação das demonstrações contábeis e financeiras.

Alguns meses depois criaram-se os primeiros mecanismos de proteção contra a inflação e, entre eles, a sistemática de correção monetária das demonstrações financeiras para as empresas, a qual viria a ser aperfeiçoada em 1977 com o Decreto-Lei nº 1598, através do mecanismo de correção das contas do Ativo Permanente (Imobilizado, Investimentos e Diferido) e do Patrimônio Líquido, cujo resultado era refletido na demonstração do resultado do exercício. Essa sistemática vigorou por muitos anos e embora sendo um alimentador do processo inflacionário, permitiu que muitas empresas brasileiras pudessem crescer e se tornarem “players” com presença internacional.

Enquanto vivenciávamos a nossa realidade tupiniquim, os Estados Unidos expandiu seu poderio econômico de tal forma, que chegou a representar quase um terço do PIB mundial, a presença do capitalismo tornou-se mais marcante mundo afora, o símbolo do regime comunista (muro de Berlim) foi derrubado com as duas Alemanha (Ocidental e Oriental) tornando-se novamente um único país e, entre tantos outros acontecimentos relevantes, também presenciamos a queda de vários governos totalitários, comunistas e socialistas de muitas nações.   

Foram anos importantes na construção da carreira de muitos gestores, os quais ainda continuam na linha de frente de tantas organizações de sucesso. Ao longo das últimas quatro décadas, foi possível acompanhar períodos de estagnação, incertezas, prosperidade, hiperinflação, aquecimento e desaquecimento da economia de tantos países, guerras, conflitos, dissidências, etc.

Essa introdução se faz necessária para ressaltar o momento atual no mundo empresarial, pois apesar de tantos acontecimentos expressivos e importantes, a história recente da humanidade não vivia um período de tamanha incerteza sobre o futuro das organizações e do próprio capitalismo. Empresas consideradas exemplos de gestão sucumbiram, faliram ou estão prestes a desaparecer. No final da década passada, em poucos meses, milhares de empresas espalhadas pelo mundo perderam valor patrimonial equivalente a parte substancial do PIB mundial, significando muitos trilhões de dólares que simplesmente “evaporaram” das mãos de seus investidores.

É aí que vem a questão: até onde faltou competência e capacidade de previsão para os gestores das organizações? Se sabemos que os principais executivos de muitas dessas empresas que foram a bancarrota ou perderam valor substancial eram profissionais de reconhecida capacidade, formados pelas principais universidades do mundo, especializados, pró-graduados, MBA´s, mestrados, doutorados e Phd  pagos a peso de ouro, por que tudo isso não foi suficiente para salvar tantas grandes organizações?

A resposta não é fácil (se é que podemos encontrar uma efetiva) e vai muito além de qualquer tentativa simplista de buscá-la, especialmente se considerarmos o pequeno espaço destinado para este artigo. Então, a realidade nos conduz para uma conclusão: a gestão das empresas está em xeque!

Diante desse quadro de incertezas em relação ao futuro e de questionamentos sobre os modelos e estilos de gestão das organizações, o que é possível fazer?

Mais uma vez não temos uma resposta objetiva, mas podemos tentar construir uma proposta sensata para conviver nesse “turbilhão de emoções” e começar a visualizar a perspectiva do surgimento de novos modelos e estilos de gestão que privilegiem integralmente o ser humano, muito acima dos lucros a qualquer custo e dos ganhos astronômicos  e absurdos atribuídos a executivos descompromissados com a construção de um mundo melhor e menos desigual.

Uma projeção para o futuro da gestão empresarial

1. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que as escolas de base precisam educar e preparar os alunos para uma vida em sociedade, onde, apesar das diferenças de raça, cor, credo religioso e objetivos pessoais, cada pessoa tenha a plena consciência de que sua auto-realização e felicidade dependerá  da realização e felicidade do outro.

2. Em segundo lugar, é essencial que as escolas de formação passem a ter como missão, a educação e preparação de profissionais para:

·         enfrentar o desconhecido e as incertezas dos novos tempos;

·      através do autoconhecimento, desenvolver potencialidades que alimentem a capacidade de decisão baseadas na força mental e na intuição;

·        habituar-se a familiarizar-se com novas tecnologias em curto espaço de tempo;

·   desenvolver habilidades de transformação e adaptação a novas situações e contextos desconhecidos;

·       desenvolver atitudes e posturas diferenciadas e positivas em momentos de tensão e incertezas; e

·    criar mecanismos apropriados para formulação de estratégias não usuais para lidar com situações complexas. 

3. Será preciso criar um novo modelo de empresa, que requeira recursos financeiros, instalações, máquinas, materiais, processos e pessoas, mas que tudo isso seja compreendido como parte de um ecossistema abrangente em que a concorrência e as forças competitivas simplesmente alimentem a criação de novas oportunidades para o desenvolvimento e crescimento do ser humano. Esse novo modelo de empresa precisará estar integrado a um conjunto de regras de engajamento no qual o objetivo maior será sempre o da criação de valores sustentáveis para a o futuro da humanidade.

4. A ética empresarial não será meta, mas sim premissa. Os gestores do futuro não deverão preocupar-se com regras que estabeleçam o que é ou não ético, pois todas as negociações, operações e transações serão absolutamente transparentes, respeitando porém, as questões culturais e os direitos humanos.

5. Como as economias dos países continuarão a sofrer interferências diversas e, como consequência, apresentar diferentes comportamentos e resultados micro e macro econômicos, far-se-á necessário criar mecanismos regulatórios e de controles mais consistentes e que privilegiem o fortalecimento do comércio internacional e o respeito às leis de cada país.

6. Projetando que as empresas possam fazer parte de um ecossistema, é possível imaginar como seriam geridos alguns dos elementos que compõem a gestão das organizações:

·         Gestão do Marketing

Construção de relações duradouras baseadas na confiança e cooperação, através de alianças e parcerias permeadas por toda a organização.

·         Gestão operacional

Os instrumentos da eficácia operacional seriam construídos, muito menos através dos indicadores de performance e desempenho tradicionais e muito mais no grau de satisfação e realização das pessoas, já que elas teriam o conhecimento do exato equilíbrio entre a geração do lucro merecido e a contra-partida da alegria de fazer parte de uma equipe organizacional vencedora.

·         Gestão da Inovação e da tecnologia

Sendo parte relevante da estratégia, a gestão da inovação e da tecnologia seria conduzida de forma a integrar cada processo evolutivo dentro do ecossistema do qual a empresa faria parte e mantendo, na criação de valor, a premissa sob a qual nortearia seu papel.

·         Gestão Financeira e contábil

É óbvio que a contabilidade continuaria sendo gerada no método de partidas dobradas, tendo porém na contabilidade gerencial o aperfeiçoamento para geração das informações essenciais à boa gestão. Já, o ganho financeiro fácil não mais deveria fazer parte de qualquer atividade empresarial e a gestão das finanças voltaria às suas origens, extinguindo-se as operações complexas que incentivam o surgimento do “cassino financeiro” e do ganho fácil.

·         Gestão das pessoas

Nesse campo, relembro a visão de Clemente Nóbrega em seu livro “Em busca da empresa quântica”. Em outras palavras, as empresas seriam pessoas em processo! Seriam duas entidades que se confundiriam em si mesmas. A nova lógica na gestão de pessoas teria como premissa a participação de todos, onde cada um jamais sentir-se-ia um passivo. Cada um saberia perfeitamente seu papel dentro do contexto estabelecido e todos estariam essencialmente engajados na busca do objetivo comum. Como disse Nóbrega: “Uma empresa inteligente. Uma empresa em que todos queiram a mesma coisa, sem imposição, sem controle, sem medo e sem que ninguém tenha de comandar.”

Para finalizar, gostaria de enfatizar que, provavelmente, o essencial da gestão nas empresas não mais estará presente dentro da lógica que aprendemos e que fomos educados dentro das universidades e das próprias organizações.

Talvez tudo isso faça sentido se o ser humano tiver a conscientização plena de que sua passagem pela terra só terá significado quando buscar, decididamente, a felicidade do outro. Esse é o segredo! Como já escrevi em outras ocasiões: “tão simples, mas ao mesmo tempo, tão complexo e difícil para nós, pobres mortais!”

Autor: Carlos A. Zaffani – Consultor em  Gestão de Empresas

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