Apesar dos avanços observados
nos últimos anos, o Brasil ainda é um país em que os portadores de necessidades
especiais (PNE) encontram muitas dificuldades
para conseguir um emprego digno, no qual possam ser respeitados e com
perspectivas de aspirar o desenvolvimento e crescimento profissional.
Se tentarmos buscar uma resposta
consistente do porque isso ocorre, seguramente nos defrontaremos com inúmeros
aspectos determinantes, os quais nos conduzirão a uma conclusão: temos muito
que aprender na construção de contextos que viabilizem condições ideais para
fazê-los sentirem-se seres humanos normais, diferentes apenas em alguma
capacidade e com uma nova atitude de acolhimento por parte da sociedade.
Portanto, após rápida passagem
pelo conceito, direitos, garantias e proteção legal no Brasil, é nessa linha
que sintetizarei a maior parte da abordagem do tema neste espaço.
Conceito de PNE
De acordo com o autor O.M. Silva em seu livro “Epopéia Ignorada – A
pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje” (1986), a pessoa PNE
é aquela que perdeu ou possua anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica que gerou uma incapacidade para o
desempenho de atividade dentro do padrão normal para o ser humano, podendo estar
associada a uma deficiência física, auditiva, visual, mental temporária ou
permanente.
Direitos, garantias e proteção legal no Brasil
Os portadores de deficiência têm
seus direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal (artº
7º, inciso XXXI), sendo proibida qualquer forma de discriminação no tocante a
salários e critérios de admissão. Obviamente, esse dispositivo está intimamente
ligado ao princípio basilar de nossa Constituição: o da igualdade. Além disso,
a Constituição Federal também assegura aos PNE´s o direito a 20% das vagas para
os cargos ou emprego público (artº 37 – inciso VIII). A Lei nº 7853/89 e o Decreto nº
3298/99 são balizadores da política nacional para a integração dos PNE´s.
Outrossim, através da Lei nº
8213/91 (conhecida como a lei de cotas) ficou estabelecido que as empresas
privadas com mais de 100 funcionários devem preencher, de acordo com o número
de empregados existentes, entre 2% e 5% de suas vagas com trabalhadores que
possuam algum tipo de necessidade especial.
Os PNE´s e o mercado de trabalho
Apesar do aparato legislativo
existente, especialistas afirmam que existem falhas no processo de formação e
qualificação profissional dos PNE´s. Com muita frequência, o que ainda
observamos é a existência de programas desenvolvidos por oficinas pedagógicas
ou por instituições de ensino especial dedicadas – entre outros - ao
artesanato, tapeçaria, marcenaria e outros trabalhos manuais, os quais não
levam em consideração a demanda do mercado, criando apenas condições
superficiais para a sobrevivência dessas pessoas e não trazendo nenhuma
contribuição efetiva para a qualificação profissional delas.
Nos últimos anos, a fiscalização
mais forte exercida pelo Ministério do Trabalho, tem ajudado a pressionar as
empresas a cumprirem as leis de amparo ao PNE, mas tudo isso tem sido
insuficiente para acabar com atitudes discriminatórias, as quais continuam
acontecendo, mesmo que de maneira velada, fazendo com que o portador da
deficiência sinta-se “rotulado” por sua incapacidade e/ou com um sentimento de
marginalidade e dispensabilidade.
Apesar de todos os esforços,
segundo consta no site http://www.deficienteonline.com.br/contratacao-de-deficientes-sua-empresa-esta-em-dia-com-o-cumprimento-da-lei_pcdsc_309.html (pesquisa em Outubro/2016) estima-se que em nosso país, somente 11% dos PNE´s estejam empregados. Nos países desenvolvidos, segundo o IBGE, esse percentual chega a 30%!
Para a maioria das empresas, a
grande dificuldade para a contratação de PNE´s está no nível de escolarização e
falta de formação profissional e para boa parte dos gestores responsáveis pelo
comando de profissionais PNE´s não existe conscientização sobre o problema e
tratam do assunto como se fosse um “ônus” que eles têm que assumir.
De outro lado, o PNE encontra
dificuldade no seu desenvolvimento e formação profissional porque a escola
tradicional não está preparada para dar à ele o devido ensinamento e
preparação.
A realidade é que a inclusão e
profissionalização plena da pessoa PNE irá requerer das escolas brasileiras
novos posicionamentos de forma que o ensino se modernize e os professores
tenham condições de aperfeiçoarem suas práticas. Em outras palavras, faz-se
necessária uma inovação que implicará num esforço de atualização e
reestruturação das condições atuais da grande maioria das escolas brasileiras
pois os PNE´s necessitam de cuidados e preparação diferenciada por parte dos
professores e para que isso seja possível, os mesmos também precisarão ter
qualificações adequadas.
Por enquanto, as escolas
tradicionais se justificam, na maioria das vezes, alegando a falta de preparo
dos professores, porém muitas delas nada fazem porque não acreditam nos
benefícios que os alunos com deficiência poderiam conseguir (principalmente os
mais graves), uma vez que não teriam condições de acompanhar os avanços dos
demais colegas e continuariam marginalizados e discriminados.
Em verdade, não existem outros
caminhos que não passem:
a) pelo maior apoio
governamental através de incentivos especiais para as empresas que tenham como
parte da responsabilidade social o foco nos PNE´s; e
b) no âmbito educacional, mais
investimentos na formação de professores que tenham interesse em tornarem-se
especialistas na educação inclusiva de forma que a pessoa portadora de alguma
necessidade especial perceba, vivencie e compreenda que foi capacitada profissionalmente
não por ser um PNE, mas por SER humano.
Rescisão do contrato de trabalho / Estabilidade
Em função do artigo 93 da Lei nº
8213/91, tem sido comum o questionamento das empresas quanto a possível
existência de estabilidade do profissional portador de necessidade especial.
Todavia, na linha de pensamento dos
especialistas, o TST tem manifestado o entendimento de não haver a
estabilidade, mas isto sim, a necessidade da contratação de outro funcionário
portador de deficiência.
Como exemplo, citamos
fragmento do seguinte julgado:
“PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. GARANTIA DE EMPREGO - A norma
inserta no art. 93 da Lei 8.213/91 permite a demissão de empregado reabilitado,
ou de portador de deficiência física, apenas se
houver contratação de substituto nas mesmas condições... (RR -
346/1998-401-04-00.8 - Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Data de
Julgamento: 27/05/2009, 5ª Turma, Data de Publicação: 12/06/2009).- Grifo
nosso.
Parece-me que tal interpretação
do artigo 93 acaba conduzindo a uma situação, no mínimo, interessante, senão vejamos: o que
aconteceria com uma empresa, que obrigada pela lei de cotas a manter 3 PNE´s,
resolve contratar 7, mas depois de algum tempo decide dispensar 2 deles e
contratar empregados não portadores de necessidades. Poderia fazer isso sem
nenhum risco trabalhista ou teria, necessariamente, que contratar dois novos
PNE´s?
Em principio e sem entrar no mérito
da discussão, diante da posição do TST, parece-me que a substituição por
empregados não portadores de necessidades poderia vir a penalizar a empresa.
Entretanto, fiz questão de colocar este exemplo apenas para destacar que a
redação do artigo 93, também acaba contribuindo para que as empresas contratem
apenas o nº mínimo exigido pela lei de cotas.
Comentários finais
Este tema continua requerendo de cada um de
nós, caro leitor, muita reflexão e, provavelmente, mudança de postura porque
neste momento alguém pode estar sofrendo um acidente no trânsito que o impedirá
de levar uma vida normal daqui pra frente. Pode ser um homem ou uma mulher,
pessoa rica ou pobre, culta ou não, de cor branca ou negra, boa ou ruim, mas o
que ficará de comum com essa nova situação será apenas a certeza de que terá
que conviver com uma nova realidade pelo resto da vida.
Possivelmente, o ajuste
à essa nova realidade de limitações imporá sofrimentos e exigirá muito esforço
e muita lágrima além de tempo e recursos materiais, porém como destaca Biscaglia,
“é a sociedade, na maior parte das vezes,
que definirá a deficiência como uma incapacidade e é o indivíduo que sofrerá as
consequências de tal definição”.
Por isso, vamos enxergar e agir
com os PNE´s sabendo que eles são, antes de tudo, pessoas que merecem o nosso
respeito e com direito à auto realização. Que saibamos compreender que cada um
têm o seu próprio ritmo e que são eles que podem superar as dificuldades e se
reconhecerem como seres humanos com a mesma necessidade de amar e serem amados,
de aprender, crescer, compartilhar e vivenciar – com alegria – as inúmeras
situações que a vida pode lhes proporcionar.
Em essência, existe apenas um
mundo e é nosso dever ajudá-los a descobrir nesse mundo imperfeito, que ele é
cheio de coisas bonitas e nós não temos o direito de privá-los de perceber e
viver intensamente essa realidade!
E você, caro leitor, o que pensa
sobre tudo isso?