Apesar de me alinhar com muitos especialistas que sustentam que o salário é apenas um dos elementos que pode contribuir para a insatisfação dos empregados, não posso deixar de concordar com aqueles que entendem que a prática de salários inadequados por muito tempo conduzirá qualquer organização à baixa produtividade e performance, falta de envolvimento e comprometimento, apatia generalizada e provável fracasso. Se assim é, haveremos de concordar que a remuneração é e continuará sendo um dos mais importantes instrumentos de incentivo na gestão de pessoas dentro das empresas.
Durante quase dez anos de minha vida profissional tive a oportunidade de dirigir a área de Recursos Humanos de duas grandes empresas e uma das coisas que sempre me incomodou, deixando-me uma sensação de, senão de frustração pessoal, de uma questão onde precisaríamos evoluir muito, foi em relação às práticas e políticas de salários.
Nota: Neste texto, vou me ater apenas ao “salário”, não abrangendo, portanto, os benefícios oferecidos pelas empresas, os quais, em muitas circunstâncias, representam parcelas importantes do “pacote” remuneratório e contribuem para uma maior satisfação dos funcionários.
Passados alguns anos dessas experiências e tendo conhecido outras práticas e políticas salariais, continuo convencido de que:
· apesar de o Brasil ter conseguido melhorar consideravelmente os níveis salariais de grande parte da força de trabalho em nosso país, são enormes as diferenças existentes entre o menor e maior salário; e
· com raras exceções (ex: maior participação de formas diversas de remuneração variável), as práticas e políticas salariais pouco avançaram.
Enquanto para muitos, essa realidade é resultado de uma legislação trabalhista arcaica e ultrapassada, a qual incentiva as empresas a buscarem variadas formas de benefícios (remuneração indireta) para reduzir os encargos sociais, para outros é culpa exclusiva do governo e dos sindicatos organizados. Do governo porque para manter algum controle em relação ao déficit previdenciário e dívida pública continua tendo o salário mínimo entre os menores dos países em desenvolvimento e dos sindicatos organizados, por pressionarem as empresas por salários e benefícios sem nenhuma preocupação com a produtividade, performance e lucratividade das organizações.
Se analisarmos a questão sob a ótica tradicional, haveremos de concordar que esses argumentos - em maior ou menor grau - são válidos. Todavia, quero tratar do assunto, não com essa visão tradicional e desgastada, mas sob um outro prisma, onde seja possível abordar aspectos que possam conduzir o leitor à reflexão de que é necessário construir um novo modelo de política salarial para os empregados das empresas brasileiras, no qual seja possível manter os padrões médios de remuneração da média gerência para cima e melhorar os níveis salariais dos profissionais em geral (de escalões inferiores), de forma a reduzir substancialmente as diferenças existentes e, obviamente, melhorar o grau de satisfação interna.
O CERNE DO PROBLEMA
Excetuando-se as imposições legais (ex: dissídios coletivos e até meados da década de 1990, os gatilhos impostos pela legislação trabalhista), as práticas e políticas salariais vigentes na maioria das empresas brasileiras, independente do porte, foram estruturadas com base em modelos tradicionais e se ajustando ao longo dos anos em cima de premissas como:
- evolução do salário mínimo;
- evolução da inflação;
- dissídios coletivos; e
- pesquisas salariais setoriais e/ou de empresas especializadas.
Sem entrar no mérito, a realidade é que com o passar dos anos, principalmente nas últimas três décadas, os salários médios da gerência e diretoria distanciaram-se dos níveis mais baixos, mesmo em relação a muitos cargos especializados que exigem formação superior.
Apenas a título de exemplo, de acordo com um estudo efetuado pela Consultoria Mercer há alguns anos, o Brasil possuia uma das 10 (dez) maiores diferenças salariais do mundo entre o nível operacional e os cargos de alto escalão (Link: http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2013/05/brasil-esta-em-10-entre-75-paises-com-maior-diferenca-salarial.html ).
Nota: Não temos dados mais atualizados sobre o Brasil, mas quem tiver interesse acesse no link a seguir, estudo da OIT - Organização Internacional do Trabalho - Relatório Global sobre salários 2016/2017, onde são abordados vários aspectos das desigualdades existentes. (Link: http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/rel_global_salarios_2016_pt_web.pdf)
Assim, o caro leitor pode até discordar, mas atribuir exclusivamente ao governo a responsabilidade por tais distorções parece-me um tanto quanto cômodo. Deixar os responsáveis pelas práticas e políticas salariais nas empresas (proprietários, executivos e profissionais de RH) numa posição isenta de responsabilidades não se justifica, pois afinal, todos também contribuíram para essa situação.
Assim, o caro leitor pode até discordar, mas atribuir exclusivamente ao governo a responsabilidade por tais distorções parece-me um tanto quanto cômodo. Deixar os responsáveis pelas práticas e políticas salariais nas empresas (proprietários, executivos e profissionais de RH) numa posição isenta de responsabilidades não se justifica, pois afinal, todos também contribuíram para essa situação.
O DESAFIO
Se concordarmos (sei que não é fácil!) que as grandes diferenças salariais continuam sendo um dos principais problemas das práticas e políticas nas empresas em nosso país, o que pode ser feito para começar a mudar esse quadro?
Em primeiro lugar acho que não conseguiremos uma ou mais respostas conclusivas, pois tenho a impressão que, entre outras coisas, os profissionais de RH serão os primeiros a afirmar que as políticas e práticas são consistentes e adequadas à realidade brasileira. Em segundo lugar, os empresários e executivos defenderão que não há espaço para ajustes dessa natureza, que os salários são definidos pelo mercado (oferta e demanda) e que quaisquer mudanças que onerem os custos precisam (com justa razão) ser repassados aos preços e isso pressionará a inflação.
De fato, eu também não tenho a resposta, mas uma vez mais, se nos condicionarmos ao pensamento tradicional não encontraremos nenhuma forma inovadora para mudar as práticas e políticas vigentes.
Mas então, o que fazer?
Sem qualquer conotação política, mas com uma visão social, inicio com algumas perguntas aos responsáveis pela decisão e definição das políticas salariais e, para tanto, peço que se coloquem no lugar de um empregado que exerce uma função de “auxiliar”, casado, pai de dois filhos pequenos e que recebe o equivalente a um, dois ou até três salários mínimos por mês.
- Como você acha que você e sua família viveriam? Numa casa simples? Talvez dos pais ou sogros? Num quarto e cozinha alugado ou emprestado?
- Que condições você poderia oferecer para seus filhos se prepararem e terem uma oportunidade melhor na vida?
- Como acha que seria sua autoestima? Sua motivação para alcançar as metas estabelecidas? Seu comprometimento com seus superiores e empresa?
Talvez você ache que não deva se colocar no lugar desse empregado, que não faz nenhum sentido responder essas perguntas, que isso não é um problema seu e que não tem nenhuma responsabilidade em mudar esse “status quo”. Se assim é, como é possível querer exigir desse empregado mais atenção, empenho, dedicação, envolvimento e comprometimento?
Muitos também dirão que não adiantaria aumentar o salário, pois o atendimento de tantas outras necessidades faria com que o empregado continuasse com sua autoestima e motivação comprometidas. É verdade, porém estar-se-ia começando a criar uma nova perspectiva para sua vida pessoal e familiar e, como consequência, a esperança de um futuro melhor. Mostrar essa realidade para ele seria então a nova tarefa dos gestores internos.
Pressionar a classe política para mudar a legislação visando o fortalecimento das relações capital e trabalho talvez seja mais uma exigência. Mas só isso também não basta!
Os formadores de opinião, especialmente de empresas de consultorias especializadas em práticas e políticas salariais e profissionais de recursos humanos precisam rever seus conceitos, pois os mesmos estão muito arraigados e baseados em modelos importados e que são adequados às realidades de países em outros estágios de desenvolvimento.
A transformação das práticas e políticas salariais nas empresas brasileiras não depende apenas da boa vontade de uma ou algumas empresas. É preciso coragem, determinação e desejo de querer mudar. É preciso compreender que essa mudança é necessária e importante para o futuro de nosso país. É praticamente impossível esperar que a boa gestão pública seja suficiente para acabar com as grandes diferenças sociais no Brasil. As empresas têm um papel fundamental nesse processo e cada um de nós tem uma parcela de responsabilidade para tornar isso possível.
Vamos começar enquanto ainda há tempo!
Bom trabalho e até breve!
Autor: Carlos A. Zaffani - Consultor em Gestão de Empresas
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