quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Paradoxos da gestão empresarial

Seguramente meu fascínio pela gestão empresarial começou há mais de quarenta anos, já nos primeiros tempos de minha vida profissional, iniciada numa pequena empresa localizada no tradicional bairro da Mooca, berço de grande parte das raízes culturais da cidade de São Paulo. 


Ao longo dos anos e tendo a oportunidade de realizar trabalhos para algumas dezenas de organizações através de meu vínculo com uma das maiores empresas de auditoria do mundo e de minha própria consultoria e, adicionalmente, tendo vivenciado quase três décadas de vida executiva em empresas multinacionais, incentivaram-me a estudar cada vez mais, entre outros, os fatores e mecanismos que conduzem muitas organizações ao sucesso ou ao fracasso, as técnicas que representam diferenciais importantes na sustentação de tantos empreendimentos, porque tantas organizações sucumbem após anos de presença marcante no mercado, o papel das lideranças e o perfil exigido pelos novos tempos, a construção de valores nas relações entre empresas, a verdadeira responsabilidade social, etc, etc, etc.

A verdade é que a gestão empresarial – como já destaquei em outras oportunidades - continua sendo um maravilhoso desafio onde misturam-se, entre outros, diferentes visões, objetivos, competências,  culturas, conhecimentos, experiências, ambições, percepções, valores e recursos materiais, financeiros e tecnológicos.

Embora seja desnecessário afirmar que gestão de empresa não é uma ciência, é certo que todo interessado e estudioso do tema terá dezenas de bons exemplos para sustentar que uma gestão profissional, eficiente, eficaz e baseada em princípios e valores, são fatores determinantes para o sucesso de qualquer empreendimento. 

Mesmo concordando que a gestão realizada por profissionais competentes e bem preparados sejam condições que podem minimizar os riscos do fracasso, posso, com base em alguns exemplos que a história deixou registrada, afirmar que nem sempre tais condições são suficientes para garantir a lucratividade e/ou o sucesso de uma organização.

Baseado em tal premissa, apresento a seguir, alguns exemplos marcantes que a história nos deixou e que corroboram tal afirmação:

  1. Fatores externos podem contribuir decisivamente para o sucesso ou fracasso, o lucro ou prejuízo de uma organização.

Há aproximadamente 21 anos, existia um fabricante de papel que era considerado um dos principais em nosso país. Era uma empresa bem administrada, com ações negociadas na Bolsa de Valores e que, em razão dos grandes investimentos realizados na expansão de suas atividades nos anos anteriores, possuía um nível muito elevado de endividamento, o qual, tornou-se difícil de gerir, principalmente em razão das baixas margens geradas por suas operações e também insuficiente geração de caixa.

Apesar da administração competente, a empresa sofria as seguintes principais pressões externas:

a)      O produto “papel”, em geral, também considerado uma “commodity” (termo usado em transações comerciais internacionais para designar um tipo de mercadoria em estado bruto ou com um grau muito pequeno de industrialização), tinha o seu preço balizado pelo mercado internacional, o qual, naquela época, sinalizava um nível muito abaixo do esperado e planejado, pressionando fortemente o mercado interno e deteriorando o faturamento;                                                                          

b)      Não bastasse as condições desfavoráveis do mercado interno, o governo brasileiro vinha, desde a implantação do plano real, monitorando a taxa de câmbio como forma de controlar a inflação e, consequentemente, o volume exportado também era corroído por uma cotação do dólar irreal.

No início de 1999, o governo brasileiro resolveu mudar a sistemática do câmbio e saiu do “semi-fixo” para o flutuante e, como decorrência, o real se desvalorizou drasticamente ao mesmo tempo em que o mercado internacional de celulose (matéria prima para a produção do papel) começou a apresentar uma recuperação acelerada de preço, de forma que em poucos meses, o aumento representou quase o dobro do praticado no ano anterior.

Sem qualquer alteração importante em sua gestão, bastaram os dois fatores mencionados no parágrafo anterior para mudar drasticamente a performance da empresa, tanto em termos de lucratividade quanto na geração de caixa, de tal forma, que o valor da ação negociada na Bolsa de Valores apresentou, em um ano, uma valorização superior a 1000%. O faturamento líquido cresceu quase 40%, o lucro foi de quase R$ 80 milhões (prejuízo de R$ 50 milhões no ano anterior), o custo da dívida caiu e graças ao hedge do passivo, a empresa conseguiu manter o endividamento praticamente inalterado.

Nota: Em novembro de 2004, os dois maiores fabricantes de papel e celulose do Brasil anunciaram a compra do controle acionário da mesma por US$ 720 milhões. Nessa oportunidade, a empresa em referência já era dona de quatro fábricas e representava o 5º maior grupo do setor papeleiro, com receita anual de R$ 1,2 bilhão de reais. O negócio foi concretizado no transcorrer de 2005.

  1. Modelos de gestão arraigados por culturas construídas ao longo de muitos anos de sucesso podem inebriar seus gestores e contribuir para uma visão míope ou distorcida sobre o futuro da organização.

Acredito que todo profissional de gestão que está no mercado há algumas décadas, tem e/ou teve algum dia a IBM como uma referência de competência e liderança de uma grande organização.

Para se ter uma idéia, nos anos de 1983 a 1986, de acordo com pesquisa anual realizada pela revista “Fortune” (na época), a IBM era considerada a empresa mais admirada do mundo. Mundialmente conhecida, a IBM estava deitada em “berço esplêndido” como o maior fabricante de computadores de grande porte do mundo.

No entanto, poucos anos depois, em 1992, sem a percepção da migração de valor para novas concepções de negócios e exigências dos clientes, o valor de mercado da IBM caíra mais de 70% em relação a 1983, ou seja, em apenas nove anos, aproximadamente US$ 70 bilhões se perderam. Em 1993, em conseqüência da revolução dos computadores pessoais e de sua estrutura organizacional ineficiente, a IBM somava prejuízos de US$ 16 bilhões e já tinha demitido mais de 175 mil pessoas.

Nota: Felizmente para  seus acionistas, funcionários e partes relacionadas, a IBM conseguiu dar “a volta por cima” a partir de 1994 (sob a gestão de Lou Gerstner), com o fortalecimento da área de serviços, reconstrução da cultura interna e recriação de uma inovadora liderança na tecnologia de informação, ajudando, inclusive, a criar uma revolução no campo do e-business.

Ao longo dos anos, a empresa transformou completamente seu modelo de negócio. Desfez-se de várias atividades que já tinham se transformado em commodities e ampliou os investimentos em áreas-chave de alto valor, como Consultoria, Informação on Demand e Serviços.

  1. Direcionamentos, estratégias e decisões relevantes, aparentemente acertadas, podem comprometer seriamente o futuro de uma empresa.

O segundo semestre de 2008 foi marcado por uma das mais sérias crises internacionais que o capitalismo mundial já enfrentou. Nesse período, veio à tona, o registro de perdas bilionárias com derivativos de câmbio em grandes corporações brasileiras. Entre os casos mais notórios em nosso país destacaram-se a Sadia, VCP (Votorantim Celulose e Papel) e Aracruz.

Resumidamente, por serem empresas com grandes volumes de exportação, fazia todo sentido a decisão de busca da cobertura de riscos (hedge) contra a possibilidade da apreciação da taxa de câmbio. Ocorre, que baseado no comportamento cambial de meses passados (período em que a moeda nacional manteve-se mais valorizada diante do dólar e com forte alta dos preços internacionais das commodities), realizaram operações em montantes muito superiores às exportações, acreditando que o real não se desvalorizaria.  Todavia, com o aprofundamento da crise, os preços das commodities caíram e houve nova tendência da valorização do dólar.

O resultado desse contexto não poderia ter sido pior: as perdas conjuntas dessas três grandes indústrias brasileiras superaram os R$ 5 bilhões e mudanças relevantes foram implementadas no comando das mesmas.

Nota: No início de 2009, apesar dos grandes prejuízos, com a ajuda do BNDES, a VCP comprou o controle da Aracruz e  constituiu a Fibria, tornando-se a maior produtora de celulose de fibra curta do mundo.

De outro lado, após negociação iniciada em dezembro de 2008, em maio de 2009, foi anunciada a criação da Brasil Foods (BRF), uma empresa de R$ 25 bilhões de faturamento e - na época - a terceira maior produtora de carnes do mundo

É óbvio que pela limitação de espaço, muitos outros exemplos poderiam ser apresentados, mas não é essa minha intenção. Meu principal desejo é mostrar que o mundo da gestão empresarial apresenta - muitas vezes - paradoxos que não se explicam ou são difíceis de serem explicados.

Dentro desse contexto, continuo fazendo parte daqueles que acreditam que os melhores gestores são aqueles que conseguem transformar conceitos muitas vezes simplistas em modelos vitoriosos e que são sustentados pelo básico do management: planejamento, execução, checagem e correção. Sem mágicas, invenções ou pirotecnias! Tudo isso, jamais será garantia de sucesso pleno, mas, certamente, reduzirá substancialmente os riscos de uma má gestão.

E você? Concorda?

Bom trabalho e até breve!

Carlos Zaffani   -   Consultor em Gestão de Empresas

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